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08/02/2016
A CRISE DENTRO DA CRISE

A CRISE DENTRO DA CRISE

O mundo vive novamente o temor de uma hecatombe

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por Carlos Drummond — publicado 31/01/2016 00h18

As fragilidades da economia mundial parecem confirmar algumas previsões quanto ao risco de se ter uma década perdida. Na melhor das hipóteses, seriam anos de letargia econômica, analisa o Nobel de Economia Joseph Stiglitz.

O cenário inspira cautela. O aumento das instabilidades ocorre quando os países ainda se recuperam dos estragos da crise de 2008, desencadeada com a quebra do Banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, e ampliada pelos desdobramentos na Europa, em 2010, e nos paí­ses emergentes, nos últimos anos.

Não faltam sobressaltos. Na quarta-feira 20, as principais Bolsas sofreram perdas. A Bolsa de Valores de São Paulo caiu 1,08% e as ações preferenciais da Petrobras desvalorizaram 4,94%, para 4,43 reais, após quedas sucessivas nos dias anteriores.

Os mercados de ações refluíram 2,81% na Alemanha, 3,45% na França, 4,83% no Reino Unido, 3,71% no Japão e 3,82% na China. Nos EUA, a Nasdaq fechou em baixa de 0,08%. Na tarde da quarta-feira 20, o Índice Dow Jones caía 1,52% e o S&P 500 mostrava uma variação negativa de 1,14%.

As baixas foram provocadas, entre outros motivos, pela queda da cotação do petróleo para 30 dólares o barril no dia 11, o que não acontecia há 12 anos. No dia 20, a commodity fechou a 26,53 dólares o barril.

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    O problema é político, não econômico, diz o Nobel de Economia

A esse preço, todas as empresas do setor de óleo e gás que investiram com a perspectiva de continuidade de cotações até quatro vezes maiores sofrem uma queda brusca das receitas e estão sob risco. As notícias do crescimento do PIB da China de 2015 em 6,9%, o mais baixo dos últimos 25 anos, e das dificuldades enfrentadas pelos países emergentes aumentaram as incertezas.

A onda recente de instabilidades avolumou-se quando o Royal Bank of Scotland aconselhou seus clientes, no dia 10, a se prepararem para “um ano cataclísmico” no mundo. O petróleo pode desabar para 16 dólares, avisou o banco.

“Venda tudo, exceto títulos de alta qualidade. Há muitos investidores com posições compradas e as portas de saída são estreitas”, recomendou em um comunicado. Os bancos Morgan Stanley e Goldman Sachs preveem uma queda do petróleo para 20 dólares o barril. A cotação poderá cair para 10 dólares na projeção do Stanley Chartered.

Uma combinação de causas empurrou o preço da commodity para baixo, a começar pela queda do consumo forçada pela estagnação econômica mundial, os estoques elevados, as temperaturas mais altas do inverno europeu e o aumento da eficiência no uso de combustíveis.

O crescimento da produção de petróleo nos Estados Unidos em 66% nos últimos cinco anos e a pressão baixista da Arábia Saudita para inviabilizar economicamente a exploração do xisto naquele país contribuíram para derrubar as cotações, assim como a revogação do embargo europeu à compra do petróleo do Irã.

Os problemas da economia se multiplicam. “O comércio global e os empréstimos têm se contraído, um coquetel indigesto para os balanços e os lucros”, disse o economista-chefe do RBS para a Europa, Andrew Roberts.

O pânico dos investidores e a onda de vendas de ativos fizeram o Bank of America “inverter as ordens de compra”. Pela primeira vez em sete anos, o JP Morgan Chase pressionou os clientes a “venderem as suas ações por qualquer oferta”.

Só 27% dos executivos entrevistados em uma pesquisa da PwC realizada em dezembro e apresentada no Fórum Mundial em Davos acreditam que a economia mundial vai melhorar nos próximos 12 meses.

Albert Edwards, estrategista do Banco Société Générale, disse que “o Ocidente está prestes a ser atingido por uma onda de deflação das economias dos países emergentes”. Os bancos centrais, segundo Edwards, não aprenderam as lições da bolha imobiliária que conduziu à crise financeira e à recessão em 2008-2009.

“Não entenderam o sistema, portanto, não perceberam que fazem tudo errado novamente. A deflação está aí e os bancos centrais não conseguem vê-la.”

A situação atual “questiona a avaliação predominante no Brasil de que a crise era chinesa e a economia dos Estados Unidos estava se recuperando. Essa visão desconsidera que China e EUA constituíram nos últimos 30 anos um sistema econômico”, aponta o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.

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De Mônaco a Bangladesh, 62 privilegiados têm a mesma riqueza de 3,6 bilhões de deserdados (Valery Hace/AFP e Yuri Gripas/Reuters)

O peso da economia chinesa e o impacto da sua retração no resto do mundo são óbvios, mas considerá-la frágil e sem rumo contraria os fatos. O crescimento do ano passado ficou só um décimo abaixo da meta projetada de 7%, a mostrar considerável grau de controle do processo pelos executores da política econômica. E há uma “mudança da composição” dessa evolução.

Segundo Louis Kuijs, da Oxford Economics, o PIB chinês sofre “pressões para baixo dos setores de imóveis e de exportações, mas o consumo robusto e os investimentos em infraestrutura evitam uma queda aguda”, apesar de ainda existir capacidade ociosa em todos os setores.

Já a situação dos Estados Unidos estaria muito pior do que o Federal Reserve pensa. “Assistimos a uma expansão massiva de crédito naquele país, para financiar não a atividade econômica real, mas as recompras de ações das empresas”, segundo Edwards.

A austeridade fiscal, a valorização do dólar e a má distribuição de renda vão descarrilar a economia dos EUA, alerta o Instituto Levy de Economia. Algumas das fragilidades do sistema financeiro evidenciadas em 2008 parecem persistir.

Segundo o Escritório de Pesquisa Financeira do governo americano, a “atividade financeira e os riscos migraram para fora do perímetro regulado e a liquidez do mercado parece ter ficado mais frágil nos últimos anos, enquanto as interconexões entre as empresas financeiras e os mercados evoluem de modos não compreendidos plenamente”. O escritório vê “elevado e crescente risco de crédito nas transações não financeiras nos Estados Unidos e em muitos mercados emergentes”.

A vulnerabilidade específica dos bancos estadunidenses com financiamentos às empresas exploradoras do petróleo do xisto é preocupante. O volume de crédito concedido às firmas de fracking ou injeção de água sob alta pressão para fragmentar o mineral e extrair as reservas de óleo e gás cria outra bolha nos Estados Unidos, segundo vários analistas. 

Afirma Jim Rickards, consultor de investimentos na Austrália e editor da newsletter The Daily Reckoning: “Somam cerca de 5,4 trilhões, isso mesmo, trilhões, de dólares, os custos incorridos nos últimos cinco anos para infraestrutura e exploração do gás e do óleo do xisto nos Estados Unidos financiados com dinheiro das empresas e endividamento bancário”.

Quando diversos produtores recorreram a empréstimos, os modelos financeiros levaram em conta preços do petróleo “entre 80 e 150 dólares o barril”. Nenhuma empresa esperava uma queda como a atual e isso significa que aquelas dívidas “terão de sofrer uma baixa contábil”, ou seu lançamento na conta de despesas e prejuí­zos.

Rickards considera a baixa contábil necessária para ao menos 50% das dívidas. “De modo conservador, se 20% forem lançados como prejuízos, as perdas totalizarão 1 trilhão de dólares. Um fiasco maior do que a crise das hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos em 2007.” No topo dos maus empréstimos estão os derivativos.

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    As Bolsas de Valores também despecam

A conta de Rickards bate com aquela do Goldman Sachs quanto à existência de “1 trilhão de investimentos no setor de petróleo virtualmente sem valor enquanto os preços continuarem tão baixos”.

Os bancos Citigroup, Wells Fargo e BofA informaram perdas consideráveis com créditos a empresas do setor petrolífero. Para o JP Morgan Chase, o maior dos Estados Unidos, se o petróleo permanecer em torno de 30 dólares o barril, seria necessário adicionar 750 milhões de dólares às suas reservas para devedores duvidosos.

O Federal Reserve de Dallas percebeu que a situação é insustentável e dias atrás reuniu-se com bancos e mandou parar de marcar a mercado, isto é, desvalorizar os ativos ligados ao setor de petróleo segundo o seu valor atual. A autoridade fiscalizadora aceitará, portanto, os valores registrados nos balanços, assumidos quando as projeções levavam em conta uma estabilidade das cotações altas do petróleo.

Em entrevista à CNBC durante o encontro de Davos, Ray Dalio, fundador do Bridgewater Associates, o maior hedge fund do mundo, administrador de 155 bilhões de dólares, previu que o Fed “reverterá seu curso e fará mais quantitative easing ou compra de títulos para abastecer o mercado com dinheiro”.

Para Dalio, os trilhões colocados na economia para enfrentar as crises sucessivas conduziram os preços dos ativos para o “território das bolhas” e criaram um efeito riqueza negativo. “Todos os países necessitam de uma política monetária mais expansionista e os bancos centrais agora têm menos espaço para ajudar.”

Mais preocupantes que a China, neste ano, são as economias emergentes do Brasil, África do Sul, Tailândia e Turquia, apon­ta o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia. Com seus altos níveis de dívida de curto prazo, são vulneráveis a crises das suas moedas, potencialmente causadoras de colapsos econômicos. “Os investidores perceberão que a situação da China está sob controle e os problemas reais estão em outros lugares.”

No Brasil, as autoridades mantêm os juros altos e não querem ouvir falar de nada diferente de equilíbrio orçamentário e cortes de gastos, investimentos públicos incluídos. A principal medida do governo para estimular a economia foi o anúncio da intenção de aumentar o crédito dos bancos públicos, feito pelo ministro Nelson Barbosa. Ação bem-vinda, mas tímida diante da envergadura da recessão. E ainda no campo das promessas.

A força da política econômica conservadora, posta em dúvida em outros países, ficou evidente na rejeição da mídia e de ex-dirigentes do Banco Central, entre outros, à iniciativa do presidente Alexandre Tombini de revelar preocupações com as economias brasileira e mundial um dia antes da reunião do Comitê de Política Monetária, no dia 20, para decidir a taxa de juros.

Tombini fez referência à revisão, pelo Fundo Monetário Internacional, das estimativas de crescimento global, de 3,1% no ano passado para 3,4% em 2016 e 3,6% em 2017, mais gradual que em outubro. As projeções para o PIB do Brasil passaram de -1,0% para -3,5% em 2016 e de +2,3% para 0% em 2017.

A preocupação externada por Tombini pode ter influenciado a decisão do Copom de manter a taxa de juros em 14,25%. É muito diante da situação de inadimplência crescente de empresas e o desemprego. Em entrevista a blogueiros no mesmo dia, o ex-presidente Lula disse que “o governo precisa se mexer e mobilizar recursos para os investimentos públicos”.

Diferente da situação de Tombini é aquela do presidente do BC do México, Agustín Carstens, que defendeu dias atrás um quantitative easing nos países emergentes para fazer frente “a choques potencialmente severos” na economia.

O principal empecilho para uma política de recuperação é a obsessão com o equilíbrio dos orçamentos nacionais, aponta o economista Robert Skidelsky, professor da Universidade de Warwick, no Reino Unido. “É o momento ideal para o governo investir na economia.

Cer­ta­mente aumentará o déficit, mas isso é tão inquestionável quanto uma empresa emprestar dinheiro para construir uma fábrica na expectativa de que o investimento pague o financiamento.”

“Os obstáculos enfrentados pela economia global não estão enraizados na economia, mas na política e na ideologia”, diz Stiglitz. “A inércia econômica é fácil de entender e há remédios imediatamente disponíveis. O mundo enfrenta uma deficiência de demanda agregada, resultante de uma combinação de desigualdade crescente e uma onda irracional de austeridade fiscal.”

O aumento da desigualdade no mundo saiu do controle, segundo a ONG Oxfam. A quantidade de indivíduos com riqueza igual àquela da metade da população mundial (3,6 bilhões de habitantes) passou de 388 em 2010 para 80 em 2014 e 62 no ano passado. Nos últimos 25 anos, o rendimento médio anual dos 10% mais pobres aumentou menos de 3 dólares.

As observações de Stiglitz e Ski­d­elsky fazem sentido também no Brasil, mas é difícil encontrar aqui quem lhes dê ouvidos.

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/revista/885/a-crise-dentro-da-crise




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