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22/05/2020
Sobre a comunhão eucarística em tempos de coronavírus

Sobre a comunhão eucarística em tempos de coronavírus

quarta-feira, 20 de maio de 2020

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O recente acordo sobre o recomeço das celebrações litúrgicas com participação do povo causou, com as suas disposições, inquietação e desorientação em muitos fiéis. Há, portanto, muitas perguntas sobre o comportamento a ser seguido na situação sem precedentes que surgiu desde 18 de Maio de 2020 [em Portugal, as Missas com o povo recomeçarão a 30 de Maio, n. d. r.]. Como o problema tocas múltiplos âmbitos (teológico, jurídico, litúrgico, moral), não é possível fornecer uma única indicação a ser aplicada obrigatoriamente em todos os casos. Partindo de uma constatação incontestável (a ilegitimidade do acordo), tentámos definir alguns pontos fixos que lhe permitirão orientar-se nesta espinhosa circunstância. O autor é um distinto teólogo.    

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Ocorre, antes de mais, observar que as disposições governativas sobre o recomeço das celebrações com o povo são absolutamente nulas: as autoridades civis não têm competência alguma em matéria de culto religioso; os representantes da Conferência Episcopal, por sua vez, não têm jurisdição nem sobre os bispos, nem sobre os sacerdotes, nem sobre os fiéis. Cada bispo, desde que esteja em comunhão com o Papa, é soberano na sua diocese pelo que compete à sua autoridade; em tal autoridade, todavia, não se enquadra o que é estabelecido pelas rubricas do Missal, que são lei para toda a Igreja e só podem ser modificadas pela Santa Sé, ou por sua própria iniciativa ou em resposta a eventuais pedidos dos bispos (rescriptive). A Santa Sé, por outro lado, tem faculdade apenas sobre os elementos não essenciais dos ritos, não sobre a sua substância imutável. As rubricas do Missal não dizem nada sobre o uso de luvas na celebração da Missa. No rito tradicional, o bispo, na primeira parte da missa pontifical, veste as quirotecas, mas retira-as antes de aceder ao altar para a parte sacrifical. Disto deduz-se que, segundo a Tradição eclesiástica, da qual a liturgia é testemunho qualificado, a Hóstia consagrada pode ser tocada só com as mãos nuas: a razão é que os fragmentos podem permanecer presos aos dedos que a seguram, motivo pelo que, depois da consagração do Pão, o sacerdote mantém unidas as pontas dos dedos do polegar e do indicador até que, terminada a comunhão, os purifique no cálice, bebendo depois o vinho e a água com que os purificou. O uso de luvas de látex, à luz de quanto se expôs, deve ser absolutamente excluído, salvo se se admitir a aberrante ideia de purificá-las no cálice que conteve o Sangue de Cristo. Além disso, o Corpo sacramental do Senhor, sendo o que de mais precioso a Igreja possui em absoluto, não pode certamente ser tocado com material desprezível que será colocado no lixo, mas apenas pelas mãos consagradas do sacerdote que, precisamente por isso, as lava imediatamente antes da Missa e não pode usá-las a não ser para actos bons ou indiferentes. Para além disso, todos os vasos sagrados, por respeito pelo que devem conter, são obrigatoriamente dourados; também disto se deduz que colocar voluntariamente as Espécies Sagradas em contacto com materiais vis é um atentado à sua sacralidade, isto é, um acto sacrílego em sentido amplo.

A distinção entre a substância (o Corpo de Cristo) e os acidentes (as espécies consagradas) não resolve o problema. Na Eucaristia, por um milagre permanente da omnipotência divina, persistem as aparências do pão e do vinho, mas essas já não permanecem nas respectivas substâncias do pão e do vinho, mas na do Corpo e Sangue do Filho de Deus feito homem e morto na cruz; o substrato ontológico (subiectum) a que pertencem já não é o seu, mas um outro, do qual são a tal ponto inseparáveis ​​que, uma vez destruídas as espécies, já não existe o Sacramento. Portanto, tocar a espécie não significa tocar apenas os acidentes, mas tocar a substância, embora esta última não seja visível em si mesma. Nalguns milagres eucarísticos, mesmo recentes, a espécies do pão mostrou a realidade: tecido muscular cardíaco de um homem sujeito a grave violência. Ora, o fiel que se encontre a assistir a uma Missa em que o sacerdote use luvas de látex para segurar e distribuir o Corpo de Cristo não tem a menor responsabilidade, pois não tem faculdade alguma para evitá-lo e não coopera positivamente naquela acção intrinsecamente má; no entanto, se pode participar facilmente numa Missa em que tal não aconteça, tem o direito de manifestar a sua própria desaprovação, evitando assistir a um acto que escandaliza a sua consciência. Também o sofrimento de ver o Senhor tratado de maneira, ao menos, irreverente é uma razão mais do que válida para ir a outro lugar, podendo fazê-lo, pelo menos depois de ter tentado persuadir o sacerdote a evitar o uso das luvas. A caridade pode sugerir várias maneiras de ajudar os ministros sagrados, com respeito e delicadeza, a tomarem consciência da responsabilidade que deles depende, não apenas para com Deus, mas também para com os fiéis. 

Nem o bispo nem, com muita mais razão, o sacerdote podem impor a comunhão na mão. A lei universal da Igreja estabelece a comunhão na língua como a forma ordinária, que apenas se pode derrogar quando a conferência episcopal o tenha solicitado e obtido licença da Santa Sé. Um bispo ou um sacerdote que imponha a comunhão na mão pode ser denunciado à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, que tem a obrigação de intervir para chamar a parte interessada a cumprir as normas vigentes. Ninguém se deve sentir forçado na consciência a sofrer um tão grave abuso; se não obtém nada nem com a persuasão, nem com a denúncia, os fiel deve abster-se de comungar e recorrer a um sacerdote de confiança que lhe administre a comunhão na boca fora da Missa.

Não é necessário comungar para cumprir o preceito, nem a participação na Missa é imperfeita sem a comunhão; somente uma vez por ano os católicos têm a obrigação comungar, ou seja, na Páscoa (compreendendo todo o período pascal até ao Pentecostes). Na impossibilidade de receber a Eucaristia duma maneira adequada ao mistério, os fiéis podem fazer a comunhão espiritual. Abster-se da comunhão para não recebê-la na mão não é pecado, dado que não se está a repelir o Senhor, mas a rejeitar um modo de distribuí-Lo que repugna à fé e expõe o Santíssimo Sacramento a uma profanação involuntária que consiste na dispersão acidental de fragmentos. Sendo tal eventualidade altamente provável, é difícil considerá-la totalmente involuntária.         

Em síntese, as normas emitidas sobre o recomeço das celebrações com o povo não obrigam ninguém a nada, nem a nível civil, nem a nível moral ou canónico. O não cumprimento, por parte do sacerdote ou do fiel, não constitui pecado, nem sequer venial, dado não haver alguma racional hipótese de um maior risco de contágio se a Eucaristia for administrada correctamente; a recepção na língua, pelo contrário, continua a ser o método mais seguro também do ponto de vista sanitário, dado que o sacerdote é obrigado a lavar as mãos antes da Missa e deve, em qualquer caso, evitar tocar na língua dos fiéis. Portanto, ninguém se deve sentir obrigado a comungar num modo que a sua consciência não possa aceitar; por outro lado, quem aceita fazê-lo, porque de outra forma não pode aceder ao Sacramento, não comete pecado desde que tenhamo máximo cuidado para evitar a dispersão de fragmentos da Hóstia consagrada. A este propósito, o uso de um lenço de linho ou de um pratinho dourado não é resolutivo, dado que o fiel é obrigado a purificá-los imediatamente dos eventuais fragmentos, mas não tem nem a faculdade nem os meios, enquanto que o sacerdote purifica imediatamente, no cálice, a patena e o prato. Até agora, a perspectiva limitou-se às obrigações morais no sentido estrito; isto não exclui, todavia, que o zelo da fé e o ardor da caridade possam ir além do que é estritamente devido e exijam de alguns uma resposta mais radical: não apenas a rejeição absoluta, mas também a activa luta contra normas totalmente irracionais e ilegais que ultrajam o Santíssimo Sacramento, humilham a Igreja e pisam os direitos dos fiéis. As consequências judiciais e canónicas que tal escolha pode comportar são meios aptos para a obtenção da virtude heróica; de qualquer forma, as sanções civis ou eclesiásticas em que se pode incorrer não valem minimamente o que está em jogo, isto é, o respeito pela Presença Real e a fé dos católicos.   

O zelo autêntico não está separado daquela prudência sobrenatural que faz ter em conta o facto que muitos sacerdotes possam estar subjectivamente de boa fé, convencidos de cumprir a vontade de Deus obedecendo a disposições superiores que supõem, ainda que erroneamente, ter em vista o bem comum; portanto, ninguém se deve sentir autorizado a comportamentos inspirados pela agressividade ou pelo desprezo. Não esqueçamos que o juízo sobre as consciências pertence unicamente a Deus e que as mudanças interiores são sempre possíveis, mas requerem a ajuda da Sua graça; é por isto que nunca se rezará o suficiente pelos ministros sagrados e pelos seus superiores.

Através de Corrispondenza Romana

Fonte: http://www.diesirae.pt/2020/05/sobre-comunhao-eucaristica-em-tempos-de.html?




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