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13/01/2019
ESJATOLOGIA E POLÍTICA

ESJATOLOGIA E POLÍTICA

domingo, 13 de janeiro de 2019

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Por Airton Vieira

Por que tumultuam as nações? Por que tramam os povos vãs conspirações? Erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo (...) “Sou eu – diz – quem me sagrei um rei em Sião, minha montanha santa” (...) Disse-me o Senhor: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei. Pede-me; te darei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo. Tu as governarás com cetro de ferro, tu as pulverizarás como um vaso de argila”. Agora, ó reis, compreendei isso; instruí-vos, ó juízes da terra. Servi ao Senhor com respeito e exultai em sua presença; prestai-lhe homenagem com tremor, para que não se irrite e não pereçais quando, em breve, se acender sua cólera.

(Salmo II)

Permitam os leitores primeiramente esclarecer o porquê de Esjatologia com “j”. Sigo o jesuíta Alfredo Sáenz (1932-), que em El fin de los tiempos y siete autores modernos (Buenos Aires: Gladius, 2008 – tradução minha), diz: “O fazemos seguindo o Pe. Castellani, que observa que há duas palavras parecidas em espanhol, ambas provenientes do grego: escatológico, que significa pouco menos que “pornográfico”, – de scatos, que quer dizer excremento –, e esjatológico, que significa estudo das últimas coisas (ultimidades) – de ésjaton: o último.” É certo que escatos não possui somente este significado, mas como também o possui, optei pelo primeiro.

Com isso podemos ir ao x da questão, de forma sucinta, pois tantos já escreveram mais e melhor, merecendo maior atenção.

Li a pouco esta matéria[1], escolhida por seu título, que fala sobre a transferência de embaixadas de Tel Aviv para Israel, iniciada com o governo dos E.U.A [seguida do da Guatemala e, ao que tudo indica, do Brasil], mais como um ato teológico que político. Há outras fontes, igualmente tendenciosas, abordando o mesmo assunto: “variações do mesmo tema sem sair do tom”, como disse alguém. O que importará, para além do enfoque dado, é a notícia em si que reflete uma realidade objetiva, a da política movida pela teologia, antes de o ser pela sociologia, filosofia ou mesmo a psicologia. A ideia pode parecer excêntrica, o que não impede ter sido seriamente considerada por homens como Dostoiévski (1821-1881), que em novelas como Crime e Castigo, analisada por Sáenz na obra supracitada, ao tratar do crime, nos permite ler:

Como se vê, o crime não é para Dostoiévski a mera transgressão de uma lei humana. É um ato estritamente religioso, quase teológico. Ao assassinar, Raskólnikov não busca violar as leis da sociedade, mas sim, situar-se em um nível religioso, de autonomia rebelde, para substituir a Deus, começando por destruir sua obra [...] Foi um pecado de soberba levado ao extremo; mais que um pecado contra o quinto mandamento, uma violação do primeiro: “Não terás outro Deus além de mim” (Ibid., p. 59, grifos meus).

O que demonstra esta assertiva é que todos os atos humanos possuem uma relação direta com o Criador e o ordenamento por ele preestabelecido, sendo a justiça seu cumprimento e o pecado sua desordem. Do assassinato de Abel aos acordos de paz; da Torre de Babel à cultura da morte e ideologia de gênero, do Culto sagrado às leis implantadas; nada se dá em um plano meramente humano, seja ele político, econômico, social, cultural etc., posto não lutarmos somente contra a carne e o sangue (cf. Ef VI, 11s), e que nossos atos são a resultante de uma cosmovisão de mundo. Daí a importância de que se reveste uma notícia como esta, ainda que considerada excêntrica [portanto sem necessidade de maior exame em sua recepção ou análise], como o foi por esta e outras reportagens sobre o tema das embaixadas e os diversos estratagemas políticos em convergência com as profecias bíblicas. Excêntrica ou não a ideia de fundo, não impedia a que Chesterton (1874-1936), para se inteirar das últimas notícias dissesse que bastava com abrir o Apocalipse.

Às Sagradas Escrituras, especialmente ao A.T., não faltam exemplos de como não somente Israel sabia que os rumos políticos, sociais e econômicos tinham estreita ligação com a Transcendente, mas também os povos pagãos, ainda que pela disposição dos deuses. Cristo, ao mandar dar a César o de César e a Deus o de Deus, não somente – como creem muitos – distingue e separa os poderes religioso e secular, como antes os subordina, coisa já explicitada pela boca de seu rei-profeta no salmo acima. Por isso a Igreja sempre advogou, com a sabedoria extra-humana que lhe é peculiar, diametralmente oposta à mera inteligência revolucionária, que o Estado, com sua esfera de atuação própria, respeitado em sua autonomia gerencial, não fosse independente de si, mas subordinado a si, absurdo às sociedades ateias, agnósticas e liberais. Ou heliocêntricas.

Mas o que vemos especialmente a partir do Humanismo são tentativas de soluções com base na dimensão material em detrimento da espiritual; ou desta, quando privilegiada, pelo viés capcioso dos sofistas. Daí ouvirmos, por exemplo, falar em conserto do mundo pela via única e exclusiva das ciências humanas, nada mais que pelagianismo atualizado, o que Bento XVI desmascarou ao dizer que o problema hodierno é menos o econômico e político que o do relativismo moral[2].

Isso nos coloca diante de um curioso exemplo atual, o do essencialmente teológico slogan “Deus acima de todos. Brasil acima de tudo.”, emprestado ao atual presidente ainda em sua campanha. Não será mera elucubração se ponderarmos que aqui se encerra um grave erro, senão uma heresia. É que de todos os ângulos que se veja, o pronome indefinido todos, do primeiro período, referente às pessoas, lógica e simplesmente situa-se abaixo do também indefinido tudo, do segundo período, relacionado ao País. E posto que tudo abranja... tudo, abrangerá também a Deus. Não fosse esta a intenção dos autores e os pronomes viriam, acertada e naturalmente, invertidos, com Deus acima de tudo [incluindo César], e o Brasil acima de todos [excluindo Deus].

Diz a Escritura que o temor de Deus é o início da Sabedoria; não da inteligência. O que remete à razão deste artigo, que foi a de falar, especial mas não exclusivamente, aos católicos hodiernos que, dado o contexto que se delineia rápida e explicitamente nas esferas religiosas e políticas mundiais, tornemos à nossa doutrina, o mais rápido que possamos, mas pelo viés de suas verdadeiras autoridades, as Sagradas Escrituras, unidas sine qua non à Tradição apostólica e ao Magistério eclesiástico, pois nunca como antes vemos o homem imerso no “prurido de ouvir” (cf. 2 Tim IV, 1-4). E que o façamos com a devida piedade, que é o temor de Deus, início da Sabedoria.

Um bom caminho, como subentende Chesterton e gostaria de apontar, é o da via esjatológica, que por vir sendo há tempos adulterada acabou por deixar a falsa impressão nos católicos de ser pirão que não se mexa mais. Falar em Novíssimi (os Novíssimos do homem): Juízo, Purgatório, Céu e Inferno; ou no fim dos tempos, a grande apostasia, o anticristo, a parusia etc., a muitos católicos é coisa protestante, ou esotérica ao estilo new age. No mínimo arriscada. Daí que para se manter a prudente distância tornou-se lugar comum a desculpa do “ninguém sabe o dia e a hora” (cf. Mt XXIV). Digo desculpa, pois é o que se tornou mais esta máxima profética de Nosso Senhor, tal como utilizada pelos do livre exame, ou livre pensadores: sem a exegese e hermenêutica devidas; o que não deixa de ser lamentável[3].

A doutrina católica não interessa somente aos católicos, ou às pessoas interessadas em religião, ela interessa a todos, ao menos a todos que possuam o senso comum de que “os dias são maus” (Ef V, 16), em que pese a “paz e segurança” auguradas nos cenários local e mundial[4]. Neste sentido, creio ter-nos concedido a Providência, justo nestes tempos, a publicação das obras Os Sermões de São Vicente Ferrer: o Anticristo e o Juízo Final, que dentre outras tem o mérito de esclarecer a intricada questão d’ “o dia e a hora”, e A época presente considerada como provavelmente a última do mundo, de S. Antônio Maria Claret, que fornece uma surpreendente interpretação do enigmático “666”. Ambas pela editora Martyria, e no singular ano de 2018, às quais sugiro a leitura: a católicos ou não; religiosos ou não; políticos ou não[5]. Nelas encontraremos o que diz o então cardeal Joseph Ratzinger na apresentação de El fin de los tiempos: “O fim dos tempos é um evento de significação especialmente teológica que não está aberta a qualquer tipo de interpretação, senão que exige o olhar do crente sob a orientação autorizada da Igreja”.

O que hoje se vislumbra no horizonte sombrio de nosso tempo é nada menos que a retomada do antigo projeto da Torre de Babel: “Edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra.” Isto não é teoria da conspiração, é pelagianismo puro e simples. E não pensemos que a patologia se limite à esfera religiosa porque tenha nome de monge herege...


Nossa Senhora Medianeira, Advogada e Corredentora: rogai por nós!


Na festa da Epifania de Nosso Senhor Jesus Cristo do ano de 2019.

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Em tempo: muitas são as obras católicas que tratam da Esjatologia sob o olhar da sã doutrina. Santos, doutores e homens de fé como Irineu de Lion (140-202), Vitorino de Pettau (250-303), Hilário de Poitiers (310-368), Jerônimo (347-420), Agostinho de Hipona (354-430), Bernardo de Claraval (1090-1153), Francisco de Assis (1182-1226), Tomás de Aquino (1225-1274), Lacunza (1731-1801), Newman (1801-1890), Soloviev (1853-1900), Benson (1871-1814), Wast (1883-1962), Castellani (1899-1981), Pieper (1904-1997) e Malachi Martin (1921-1999), são alguns exemplos. O tema é ainda tratado no Catecismo, em Enciclopédias Católicas ou na Didaquê.

*Este artigo é de inteira responsabilidade do autor. Contato: tonvi68@gmail.com

[1] http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/574575-compreender-a-obsessao-evangelica-com-israel
[2] BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas in Veritate. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate.html>. Acesso em 08 jan 2018.
[3] Há de lembrar que a Igreja, como se verá abaixo, muito já se debruçou sobre a esjatologia, em que pese certa recente negligência que acabou contribuindo para torná-la um tanto terra de ninguém, chamando assim a atenção de inúmeros aventureiros.
[4] Cf. 1 Tes V, 3.
[5] Seguindo nesta direção, El fin de los tempos... encontra-se no prelo. Outras obras inéditas em língua portuguesa sobre Esjatologia estão em projeto; para o que contamos com a oração dos leitores.

 

Fonte: http://romadesempre.blogspot.com/2019/01/esjatologia-e-politica.html#more




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