A INTELIGÊNCIA CRIADA NÃO PODE ABARCAR O TODO

08/12/2018

Escutemos o Papa São Pio X, num trecho da sua encíclica “Pascendi Dominici Gregis”, promulgada em 8 de Setembro de 1907:

Publicado por Pro Roma Mariana

«A esta torrente de gravíssimos erros, que às claras e às ocultas se vai avolumando, o nosso predecessor Leão XIII, de feliz memória, procurou enèrgicamente levantar um dique, principalmente no que se refere às Sagradas Escrituras. Já vimos, porém, que os modernistas não se deixam fàcilmente intimidar, até porque, aparentando o maior acatamento e a mais apurada humildade, inverteram as palavras do Pontífice do modo que lhes convinha, e propalaram que os atos dele (de Leão XIII) eram  dirigidos a outros. De starte, o mal dia a dia foi tomando maiores proporções.

É por isso, Veneráveis irmãos, que decidimos lançar mãos, sem demora, de medidas mais enérgicas. Nós, porém, vos pedimos e suplicamos, que em negócio de tal monta, de modo algum, se deixe a desejar a vossa vigilância, desvelo e fortaleza. E isso mesmo que vos pedimos e que de vós esperamos, pedimo-lo e esperamo-lo dos demais pastores de almas, dos educadores e mestres do jovem clero, e particularmente dos superiores gerais das Ordens Religiosas.

No que se refere aos estudos, queremos em primeiro lugar e ordenamos decididamente QUE A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA SEJA TOMADA COMO BASE DOS ESTUDOS SACROS. – Bem se compreende, que se os doutores escolásticos trataram certas questões com excessiva argúcia, ou foram omissos noutras, se disseram coisas que mal se acomodam com as Doutrinas apuradas nos séculos posteriores, ou mesmo alguma coisa inadmissível, muito longe está da nossa intenção querer que tudo isso deva servir de exemplo a imitar nos nossos dias. O que importa saber, antes de tudo, é que a Filosofia Escolástica, que mandamos adotar, É PRINCIPALMENTE A DE SÃO TOMÁS DE AQUINO; a cujo respeito queremos fique em pleno vigor o que foi determinado pelo nosso predecessor, e se necessário for, renovamos, confirmamos e mandamos, severamente, sejam por todos observadas aquelas disposições. Se isto tiver sido descuidado nos Seminários, insistam e exijam os Bispos que para o futuro se observe. Tornamos extensiva a mesma ordem aos Superiores das Ordens Religiosas. E todos aqueles que ensinam fiquem cientes DE QUE AFASTAR-SE DE SÃO TOMÁS, ESPECIALMENTE EM MATÉRIAS METAFÍSICAS, NÃO SERÁ SEM GRAVES PREJUÍZOS. FUNDAMENTADA ASSIM A FILOSOFIA, SOBRE ELA SE ERGA COM A MAIOR DILIGÊNCIA O EDIFÍCIO TEOLÓGICO. – Veneráveis irmãos, promovei com toda a solicitude o estudo da Teologia, de tal sorte que ao saírem dos Seminários os clérigos lhe tenham alta consideração e profundo amor e sempre o conservem carinhosamente.

POR QUANTO É DE TODOS SABIDO QUE NA QUASE INFINIDADE DE DISCIPLINAS QUE SE APRESENTAM ÀS INTELIGÊNCIAS ÁVIDAS DE SABER, É TÃO CERTO QUE À TEOLOGIA CABE O PRIMEIRO LUGAR, QUE OS ANTIGOS DIRIAM QUE ERA DEVER DAS OUTRAS CIÊNCIAS E ARTES SERVIREM-NA E AUXILIAREM-MA COMO ESCRAVAS.

Aproveitamos esta ocasião, para dizer que nos parecem dignos de louvor os que, salvando o respeito devido à Tradição, aos santos Padres, ao Magistério Eclesiástico, procuram esclarecer a Teologia Positiva com prudente critério e normas católicas (o que nem sempre se observa), tirando luzes da verdadeira História. Certo é que na atualidade à Teologia Positiva se deve dar maior extensão do que outrora; entretanto, isso se deve fazer de tal sorte que de nenhum modo seja em detrimento da Teologia Escolástica, e sejam censurados, como fautores de modernismo, OS QUE DE TAL MODO ELEVAM A TEOLOGIA POSITIVA, QUE PARECE QUASE DESPREZAREM A ESCOLÁSTICA.

Quanto às disciplinas profanas, basta lembrar o que sábiamente disse o nosso predecessor: “Aplicai-vos, diligentemente, ao estudo das coisas naturais;pois assim como em nossos dias as engenhosas descobertas e os úteis empreendimentos, com sobeja razão, são admirados pelos contemporâneos, da mesma sorte serão alvo de perenes louvores e encarecimentos dos vindouros”. Seja isso feito também sem prejuízo dos estudos sacros, assim também o advertiu o mesmo nosso predecessor, pelas seguintes palavras: “A causa de tais erros, se a investigarmos cuidadosamente, provém principalmente de que hoje, quanto maior intensidade se dá aos estudos das ciências naturais, tanto mais de descuram as disciplinas mais severas e mais elevadas; algumas destas são, de fato, quase atiradas ao esquecimento; outras são tratadas com pouca vontade e ao de leve, e coisa indigna, PERDIDO O ESPLENDOR DA SUA PRIMITIVA DIGNIDADE, SÃO DETURPADAS POR OPINIÕES INVEROSÍMEIS E POR ENORMES ERROS”. – É essa a Lei à qual ordenamos que se conformem os estudos das ciências naturais nos Seminários.»

Quando tomamos conhecimento que os cientistas almejam atingir uma compreensão físico-matemática do Todo, integrando perfeitamente a ordem super-macroscópica do Universo e a esfera quântica num Todo assimilável pela inteligência finita, mesmo só de uma fina-flor – temos que retorquir que tal é Filosófica e Teològicamente impossível.

Efetivamente, os entes criados ou simplesmente possíveis, Anjos e homens, por definição Metafísica, NÃO SÃO O SEU SER, NÃO POSSUEM EM SI A RAZÃO DO SEU SER. O mais elevado dos Anjos, quer na Ordem Natural, quer na Ordem Sobrenatural, quer mesmo na Ordem da Eternidade beatífica, NÃO PODE ABRANGER O UNIVERSO CRIADO NUMA SÓ ESPÉCIE INTELÍGIVEL. Certamente, a teologia angélica ensina-nos que quanto mais elevado em perfeições naturais (e portanto também em Graça Santificante) é um Anjo, de menos espécies inteligíveis necessita para representar o Universo criado; e quanto maior é o número dessas espécies, menos perfeito é o conhecimento.

Neste quadro conceptual, Deus conhece-Se a Si mesmo, bem como ao Universo, MEDIANTE UMA SÓ ESPÉCIE QUE É A SUA PRÓPRIA ESSÊNCIA. Todavia, mesmo que o Anjo pudesse abranger todo o Universo numa só espécie inteligível, nem assim compreenderia o conjunto do Universo sob um só princípio perfeitamente exaustivo, PORQUE COMO ENTE CONTINGENTE, NÃO POSSUI, NEM PODE POSSUIR, A CHAVE DAS ESSÊNCIAS, E MUITO MENOS PODE COMPREENDER PERFEITAMENTE A DEUS CRIADOR, NEM MESMO NA POSSE DA VISÃO BEATÍFICA. Porque as essências, criadas ou possíveis, são virtualmente em Deus, integram a Verdade de Deus, CONSEQUENTEMENTE É IMPOSSÍVEL COMPREENDER O UNIVERSO CRIADO SEM SE COMPREENDER EXAUSTIVAMENTE A DEUS, O QUE É METAFÌSICAMENTE IMPOSSÍVEL PARA UM ENTE CONTINGENTE.

Porque todo o ser do mundo É virtualmente em Deus; não se podendo adicionar o ser do mundo ao ser de Deus, tal como não se pode adicionar a sabedoria de um livro à do seu autor.

Ora, se a um Anjo é impossível exaurir compreensivamente o Universo criado sob um só princípio, menos ainda tal será possível aos homens. Alguns colocam a seguinte questão: Mas um grande cientista, realmente católico, se concomitantemente for um grande santo, quando gozar da Divina Visão, não possuirá um acréscimo de compreensão científica, relativamente à que possuía na Terra? O acréscimo de compreensão só poderá ser proporcional à sua santidade; além disso essa compreensão exerce-se COMO ATO RELIGIOSO e não como ato científico, e isto de duas maneiras: No conhecimento essencial, que é constitutivo da Visão Beatífica, a alma contempla tudo em Deus, precisamente porque, como já afirmamos, em Deus É virtualmente todo o ser do mundo; logo, a alma não contempla as realidades do mundo segundo a sua forma própria, MAS SEGUNDO A FORMA DA ESSÊNCIA DIVINA. No conhecimento acidental, são conservados os conhecimentos que possuía na Terra segundo a sua forma própria, MAS EXTRÌNSECAMENTE ILUMINADOS E AMPLIADOS PELA LUZ BEATÍFICA. Se acaso o cientista se condena, tais conhecimentos adquiridos na Terra serão destruídos na sua realidade formal, permanecendo sómente um caos material, privado de compreensão.

Quaisquer que sejam os progressos científicos e técnicos os cientistas jamais poderão ultrapassar uma determinada opacidade do real tão inevitável como a inviolabilidade das leis da natureza. É necessário assinalar que NÃO É A INTELIGÊNCIA HUMANA OU ANGÉLICA QUE MEDE O REAL; SENDO, MUITO PELO CONTRÁRIO, POR ELE MEDIDA. POR SUA VEZ DEUS NOSSO SENHOR, NA SUA ASSEIDADE, NA SUA ETERNIDADE, MEDE EM ABSOLUTO TODA A CRIAÇÃO. CONSEQUENTEMENTE A PROFUNDA AFINIDADE TRANSCENDENTAL E ANALÓGICA ENTRE A INTELIGÊNCIA CONTINGENTE E O TODO DA CRIAÇÃO, NÃO É ABSOLUTA, MAS ESSENCIALMENTE MEDIDA POR DEUS UNO E TRINO.

E não se argumente que na Eterna Beatitude, pelo fato de nesta ser o próprio Deus que Se faz, lògicamente, espécie acidental na nossa inteligência, nós tudo contemplaríamos nessa única Espécie, logo tudo compreenderíamos sob um só princípio; PORQUE ESSA ESPÉCIE DIVINA E INCRIADA, EXCEDE INFINITAMENTE A INTELIGÊNCIA CONTINGENTE, A QUAL NÃO PODERÁ JAMAIS COMPREENDÊ-LA PERFEITAMENTE. PARTICULARMENTE A ASSEIDADE, PELA QUAL DEUS É O SEU PRÓPRIO SER, E QUE CONSTITUI A ESSÊNCIA DIVINA, É ONDE RESIDE AQUELE SEGREDO ÚLTIMO, AQUELE TREMENDO MISTÉRIO DE INFINITA RIQUEZA, QUE A INTELIGÊNCIA CONTINGENTE JAMAIS PODERÁ PENETRAR PLENAMENTE.

A inteligência contingente é tanto mais profunda quanto mais eficazmente consegue abstrair princípios objetivamente representativos da realidade. Tais princípios são essencialmente espirituais sobrepujando essencialmente o concreto da sensibilidade material. A inteligência consegue extrair o inteligível do sensível, exatamente porque a realidade constitui a síntese substancial de dois princípios – a forma, que outorga a unidade, a verdade e a bondade qualitativa dos entes; e a matéria, que confere a quantidade, o espaço e o tempo. Todavia, NO LIMITE, A FORMA TAMBÉM É QUANTITATIVA, E A MATÉRIA TAMBÉM É QUALITATIVA.

Não se está a negar que exista um princípio unificante e plenamente explicativo de todo o real; o que se está a defender é que a inteligência jamais o poderá exaurir integralmente, tal como não pode compreender totalmente a Deus. E isto é válido não apenas para a vida neste mundo, mas também para a Eternidade Beatífica, mesmo aí, haverá uma determinada opacidade, que de forma alguma será causa de sofrimento ou de incômodo, porque inteiramente conforme com as Leis da Metafísica.

Sómente a Sacrossanta Fé Católica nos faculta esta realidade maravilhosa e indissolúvel: Por um lado, nós, pobres criaturas, encontramo-mos infinitamente distantes, no plano metafísico, de Deus Nosso Senhor; mas por outro, o próprio Deus não hesitou em aproximar-Se de nós, no plano ontológico, tomando a nossa natureza, a nossa condição, em tudo, exceto no pecado, fazendo-Se,inclusivamente, nosso dulcíssimo alimento espiritual na Sagrada Eucaristia. Também pela Graça Sobrenatural, Deus Nosso Senhor eleva-nos até Si, infinitamente, fazendo-nos participar, acidental, mas realmente, da Sua Natureza, da Sua Inteligência, da Sua Santidade, da intimidade preciosíssima – totalmente inatingível por via natural – da Família da Santíssima Trindade.

Conquanto perfeitamente legítimas, não será através da ciência e da técnica que o homem atualizará as mais profundas potencialidades do seu ser, da sua inteligência e da sua vontade. Só a elevação a um estado infinitamente acima das exigências da criatura, logra alcançar por via Sobrenatural o que a muitos é impossível obter por via natural. UM SANTO ANALFABETO POSSUI IMENSAMENTE MAIS VALOR DO QUE UM CIENTISTA ÍMPIO. E não apenas aos olhos de Deus Nosso Senhor, que constitui o AFERIDOR ABSOLUTO, mas também aos olhos das almas verdadeiramente piedosas.

Não esquecer que Nosso Senhor afirmou claramente que se não fôssemos como as crianças jamais entraríamos no Reino dos Céus. A Caridade, a inocência, a simplicidade, a humildade Sobrenatural, constituem um Tesouro imarcescível e inefável, e  cujo valor Eterno é absolutamente incomensurável com a ciência e a técnica, ou com qualquer sabedoria puramente terrena.

LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Lisboa, 8 de Dezembro de 2018

Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral

Fonte:https://promariana.wordpress.com/2018/12/08/a-inteligencia-criada-nao-pode-abarcar-o-todo/